ANÁLISE DE TIRINHAS (024): VALE TUDO EM ARTE? E COMO FICA A LEITURA?

Fonte: Jornal Correio Popular, Campinas, 28/08/2013

A polivalência de sentidos das obras de arte, principalmente as de natureza abstrata, por vezes nos leva a - ou nos coloca em - situações embaraçosas, senão absurdas. Por não representar de forma direta os objetos da realidade concreta exterior, o abstracionismo muitas vezes é tomado como um laissez  faire, como um vale-tudo, não exigindo, por isso mesmo, um fazer artesanal do artista e deixando ao apreciador (leitor), no polo da recepção, a tarefa de ler como bem entenda ou queira. 

Duvido existir uma pessoa (e eu me incluo aqui também) que, diante de um quadro abstrato, nunca tenha se sentido meio analfabeto ou ignorante por não encontrar o fio da meada ou uma correlação plausível com os objetos, fenômenos e situações da sua realidade. Ou então por não possuir a "chave da interpretação" a fim de se aproximar daquilo que o artista pretendeu transmitir através do objeto de arte. 

Robert Cumming, na reflexão intitulada Como apreciar uma pintura nos fornece dois ensinamentos importantes: 

".... as obras não são realmente olhadas - pois ver não é o mesmo que olhar, assim como ouvir não é o mesmo que escutar. Ver envolve apenas o esforço de abrir os olhos; olhar significa abrir a mente e usar o intelecto."

Segundo esse autor, as cunhas para "olhar" são várias: tema, técnica, simbolismo, espaço e luz, estilo histórico. Tais cunhas ou lemes são como estradas que usamos para gerar sentido(s) àquilo que olhamos. 

O segundo ensinamento nos diz o seguinte: "Qualquer pessoa que embarque na viagem de exploração dos significados das pinturas logo ficará confusa com a quantidade de pontos de vista apresentados. Uma orientação simples é: se você vê alguma coisa sozinho, acredite nela - não importa o que digam. Se não consegue ver, não acredite. Cada pessoa tem o direito de levar para uma obra de arte o que quiser levar através de sua visão e da sua experiência, e guardar o que decidir guardar, no nível pessoal. O conhecimento da história, das habilidades técnicas deve ampliar essa experiência pessoal. Mas se a dimensão pessoal se perde, então olhar uma obra de arte não é mais significativo do que olhar um problema de palavras cruzadas e tentar resolvê-los."

Há quem diga que a arte, mais do que um meio de conhecimento, é um artefato sígnico que mexe com a nossa fantasia e sensibilidade. No meio ponto de vista, acho que conhecimento se mistura com fantasia no momento da fruição, sendo difícil - senão impossível - dividir esses dois eixos. E o importante, me parece, é não tentar encontrar arte onde a arte simplesmente não existe, como fez a amiga da Samanta no quadrinho acima. Arte, acima de tudo, é uma produção, um trabalho da imaginação de um artista que busca o seu completamento no olhar  e na mente de diferentes fruidores. 

Para olhar quadro "Melancolia", de MANABU MABE, e experimentar(se)





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